"Hétero está virando minoria". Está difícil rir da sua piada, ministro
Olá, ministro João Otávio de Noronha,
Meu nome é Ana. Sou xará da sua filha. Só que o dela é Anna Carolina, o meu, Ana Angélica. Também temos a mesma idade, 32 anos. E, coincidentemente nos casamos em setembro de 2013. Ela com um homem; eu com uma mulher. Isso graças a uma determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, em maio daquele ano, regulamentou que todos os cartórios do país registrassem casamentos homoafetivos. Até então diversos pedidos de outros casais gays foram negados ou anulados por juízes que não reconheciam a união de duas pessoas do mesmo sexo.
Imagine a sua filha, Anna Carolina, e seu genro, Renato, cheios de planos para o futuro e sonhando com cada detalhe da festa de casamento, impedidos de oficializar o enlace por serem heterossexuais. Isso enfureceria Vossa Excelência ou partiria seu coração de pai?
Nossas realidades são muito diferentes, Vossa Excelência. Vivemos diversos "Brasis" e enfrentamos uma epidemia de miopia avassaladora. Temos vista curta para os problemas que não nos atingem diretamente.
Gostaria de entender por que aquela piadinha sua para descontrair um seminário abalou tanta gente? Primeiro, porque ridicularizar uma causa também é uma forma de deslegitimá-la. Depois, é que partindo de um ministro a troça ganha ares de decreto e licencia o restante da população a repetir o gesto – o que não acaba bem.
Nosso país é o que mais mata LGBTs no mundo: a cada 25 horas é cometido um assassinato violento motivado por homofobia ou transfobia. Isso é o que acontece com uma minoria e está longe de ser um privilégio invejável. E o senhor ainda diz que quer "privilégios porque o heterossexual agora está virando minoria no Brasil. Não tem mais direito nenhum"?
Famílias ricas que vivem em regiões nobres de Brasília e de outras metrópoles também são minorias. Entretanto com suas mansões de muros altíssimos, seus carros blindados e seus guarda-costas, passam ao largo da realidade crudelíssima do restante da população. Por dia, 155 homicídios dolosos, lesões corporais seguidas de morte e latrocínios (roubos seguidos de morte) acontecem no Brasil. Ultrapassamos a triste marca de 28 mil assassinatos só no primeiro semestre, o que representa um aumento de 6,79% em relação ao mesmo período do ano passado.
O medo iminente de entrar para essas estatísticas me impede de rir da sua piadinha.
Atenciosamente,
Ana Angélica Martins
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