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A "brincadeira" misógina na Rússia doeu na alma

Angélica Morango

19/06/2018 13h50

Cenas do vídeo que viralizou na internet (Foto: Reprodução)

Dez babacas. Uma estrangeira. Por um instante pensei estar vendo um vídeo gravado por meninos da quinta série do ensino fundamental. Mas crianças de 11 anos não atingem o mesmo nível de escrotice que certos marmanjos barbados.

São adultos os protagonistas de um dos momentos mais vergonhosos da Copa até agora. Não foi "trollagem". Foi assédio, machismo, misoginia.

Assédio e humilhação
Na Rússia, numa rua repleta de pessoas com a camisa da seleção brasileira, o bando em questão, sorrindo, dispara frases como "essa é bem rosinha" e "ai, que delícia!" a uma loira. Simpática, ela sorri para as câmeras que alguns deles seguram. Então o grupo entoa, em coro: "Buceta rosa!.. Buceta rosa!.. Buceta rosa!.." e ela, que nitidamente desconhece o nosso idioma, tenta acompanhá-los no que deve ter imaginado ser um grito de torcida.

Como homens de 30, 40, 50 anos podem achar que isso é aceitável e até engraçado? Como conseguem não sentir vergonha por suas irmãs, namoradas, mães? Na internet, choveram comentários indignados, mas há quem tenha se manifestado para defendê-los: "Mimimi", "é só uma brincadeira", disseram alguns.

Numa resposta simplista, eu poderia dizer que encararia como brincadeira se o grupo tivesse se aproximado de uma roda de amigos russos e bradado com eles "Pinto rosa!.. Pinto rosa!.. Pinto rosa!..". Mas para esses brasileiros isso provavelmente não teria graça porque estariam em igualdade numérica com os anfitriões. Também é possível que não se sentissem confortáveis em comparar seus pênis aos dos europeus.

Mais que desconcertar uma mulher, entre outras vilezas, eles reforçaram a ideia preconceituosa de que uma genitália cor-de-rosa é superior às demais. E isso tem consequências aterradoras.

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Um primeiro lugar para se orgulhar?
O que se perpetua como piada ou brincadeira pode ter um impacto dramático na vida das mulheres. Além da miríade de produtos e intervenções que prometem o clareamento da região genital – e que podem ter efeitos controversos –, procedimentos que garantem a "vagina ideal" crescem vertiginosamente no Brasil. É o caso da labioplastia ou ninfoplastia, uma cirurgia que remove parte dos pequenos lábios vaginais.

Alcançamos o primeiro lugar no mundo em número de operações desse tipo: foram aproximadamente 13 mil labioplastias em 2015 e 23 mil em 2016, o que representa um aumento de 80% de um ano para o outro. Para se ter uma ideia, nos Estados Unidos, país que ocupa a segunda posição nesse ranking, foram realizadas 13 mil labioplastias em 2016.

Doeu na alma
Esses homens podiam ter comentado banalidades sobre a Copa. Ou então se manifestado contra a "lei da bofetada", instituída no ano passado na Rússia, que despenaliza as agressões domésticas praticadas contra esposas e filhos. Eles também podiam ter falado da violência contra a mulher no Brasil, onde aconteceram 3.526 casos de estupro coletivo (com dois ou mais agressores) só em 2016. Mas apesar de cientes dessas realidades, eles preferiram reproduzir um discurso, sob a carapaça de brincadeira, que erotiza e degrada as mulheres. Doeu na alma.

Sobre a autora

Ana Angélica Martins Marques, a Morango, é mineira de Uberlândia, jornalista, fotógrafa e DJ. É também autora do livro de contos Quebrando o Aquário. Passou pela décima edição do Big Brother Brasil e só foi eliminada porque transformou o temido quarto branco no maior cabaré que você respeita. É vegetariana e cuida de três filhos felinos: Lua, Dylan e Mike.

Sobre o blog

Um espaço para falar de amor, sexo, comportamento feminino e feminismo com leveza e humor. Tudo sob o olhar de uma mulher esperta, que gosta de mulheres tão espertas quanto ela!