Para todas as mentiras que amei
24 de dezembro de 1992. Eu tinha sete anos de idade quando meus pais me acordaram no meio da madrugada para conhecer o Papai Noel. Eu acreditava no Papai Noel. Eu assistia a todas as reportagens sobre ele na TV. Eu sabia que ele era ajudado por duendes, voava num trenó puxado por renas, morava na Lapônia e, de um jeito muito mágico, visitava todas as crianças do mundo na noite de Natal. E eu lhe escrevia cartinhas falando sobre o meu bom comportamento no melhor estilo "É verdade esse bilete".
Sonolenta, descalça pela sala, saí esfregando os olhos para enxergar bem o bom velhinho. E percebi que ele não era velhinho. Papai Noel estava usando uma barba fajuta e tinha uma barriga bem estranha pro meu gosto. E ele me trazia uma bicicleta – não a que pedi, uma pequena, azul, de cross, como a que os meninos pedalavam – mas uma cor de rosa com rodas imensas. Fiquei aborrecidíssima.
Na manhã seguinte, acordei pedindo pra ver uma das diversas fotos que meus pais tiraram e ouvi como resposta: "Os retratos queimaram, você acredita?!". Não, eu não acreditei. Eu entendi a farsa. A foto comprovaria uma suspeita: era tudo mentira.
Não, eu não era nenhuma "Xeroque Romes" mirim, só juntei os fatos que estavam sob o meu nariz. Meus colegas de escola comentavam há tempos que o Papai Noel não existia, que eram os pais que colocavam os presentes embaixo da árvore. Eu enfrentava as outras crianças e defendia a existência do célebre morador do Polo Norte até as discussões terminarem em gritos e dedos na cara.
Aquele foi um luto muito significativo. Enterrei o Papai Noel e, junto com ele, parte da minha ingenuidade. Mas essa não é uma constatação melancólica, pelo contrário. A morte da mais bonita das ilusões da infância é o primeiro carimbo no passaporte da maturidade, onde o embarque em outros faz-de-conta é iminente. Conquistas e perdas, paixões e decepções, encantamentos e desencantos espreitam na esquina. É a rendição às possibilidades que faz o sangue correr, o olho brilhar, a vida pulsar nos poros.
A todas as mentiras que amei (e algumas têm nome de gente), obrigada. A fantasia é a tinta vermelha no muro cinza da realidade.
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