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"Bichinha afeminada da favela" vira estrela na Suécia

Universa

05/02/2019 05h00

"Me identifico como não-binário e o meu trabalho segue a minha linha de raciocínio, de não estabelecer gênero às pessoas", diz Gabriel, que vive há quatro anos na Suécia (Foto: Arquivo Pessoal)

Aos 25 anos de idade, inspirado por Pabllo Vittar, Gabriel Fontana, que nasceu em São Leopoldo, cidade gaúcha na região metropolitana de Porto Alegre, foi muito longe. Cantor e compositor, o artista vive há quatro anos em Estocolmo, capital da Suécia. Não-binário (que não se identifica com o gênero masculino e nem feminino –uma condição que fica dentro do guarda-chuva chamado "queer", que significa alguém que não é heterossexual), Gabriel conquistou fama e popularidade ao participar de dois programas de talentos na TV sueca; o último deles, o "Sweden's Got Talent", cuja audiência e repercussão lá é equivalente à do "The Voice Brasil" aqui.

"Eu quero ser um ídolo pras crianças LGBT"

"Lembro que quando eu cresci não tinha ícones, não tinha referências. Quando a gente vive num mundo em que não se vê é muito doloroso. Hoje eu quero ser esse ídolo, esse ícone pras crianças LGBT e pra todo mundo. A indústria da música é bem difícil, mas com uma mente criativa a gente explora espaços, ideias e concepções. Lancei três clipes, nos três escrevi roteiro, fiz coreografia, desenhei figurino. É a minha expressão. Todos têm alguma mensagem de gênero, aceitação, liberdade", diz.  "Não tendo um gênero definido por ser fluido, não-binário, sempre falo pras crianças me chamarem de unicórnio."

"Por mais que tenhamos artistas LGBT no Brasil, a Pabllo fazendo esse sucesso tremendo, nunca é demais, né?! Quanto mais cores a gente colocar nesse arco-íris, mais bonito fica" (Foto: Reprodução/Instagram)

"Saí do Brasil falando inglês e espanhol fluente – era viciado em "Rebelde" (novela mexicana exibida pelo SBT), e aprendi a falar espanhol. Me mudei pra Suécia sem falar um 'oi' em sueco. 'Oi', em sueco, é tipo 'opa!', então quando as pessoas esbarram elas falam 'oi' pra você. Quando mudei pra cá, achei que as pessoas estavam me cumprimentando nas ruas", lembra Gabriel, que também se comunica em italiano e norueguês.

"Se você não sabe o gênero da pessoa, trata ela pelo nome ou pergunta pra ela. Não me importo se me chamam de menino ou de menina, mas algumas pessoas têm um desconforto. Acho que o mais interessante é perguntar" (Foto: Reprodução/Instagram)

"Sou aquela bichinha afeminada do subúrbio, da favela"

Se a rotina dele em Estocolmo é recheada de recordações divertidas, o mesmo não pode ser dito sobre a infância e a adolescência vividas no Brasil. "Sou aquela bichinha afeminada do subúrbio, da favela. Nasci numa família completamente desestruturada, com pai alcóolatra. Fui abandonado pelos meus pais até que a minha avó começou a cuidar de mim. Depois fui adotado pelos meus padrinhos que eram extremamente homofóbicos. Minhas primeiras memórias são de muito preconceito, muita violência. Uma vez fui agredido na creche, perdi até os dentinhos da minha boca", relembra ele, que conheceu o ex-companheiro, sueco, pelo Instagram, e foi expulso de casa pela mãe quando ela descobriu o relacionamento.

"Ele foi ao Brasil me conhecer, depois fui à Suécia visitá-lo e a gente começou a namorar. Nessa época, aos 18, senti que o Brasil não era mais o meu lugar. Não tinha mais nada que me prendesse. Minha família não me aceitava, tentei seguir meu sonho de entrar pra política, mas meus sonhos desapareceram pela opressão, pelo preconceito, por essa cultura machista e homofóbica que a gente vive", desabafa.

Gabriel em cena de Stilettos On, seu mais recente trabalho. "Faço música pop e tento misturar bastante os idiomas, português, sueco, inglês, nas minhas músicas. Faço um 'pop farofa', que adoro e é o que foco" (Imagem: Reprodução/Instagram)

Militância nas redes sociais

Por causa do trabalho, faz dois anos que Gabriel não volta ao Brasil. Ativista, acompanha atentamente as notícias sobre o país e lamenta o momento político atual. "Quando soube que o Jean Wyllys tinha renunciado (ao cargo de deputado federal, seria seu terceiro mandato), eu chorei, fiquei muito triste. Grande parte da minha família votou no Bolsonaro, foi muito complicado. É difícil ver que existem tantas pessoas contra a gente, e ele deu voz pra todas essas pessoas que humilham, ofendem e nos matam todos os dias. Gostaria de estar no Brasil lutando. Às vezes me sinto mal por estar aqui quando se tem tanto a se fazer no Brasil, mas mesmo estando longe sinto que com as redes sociais a gente tem o poder de atingir a nossa comunidade. Espero conseguir inspirar os brasileiros de alguma forma."

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Sobre a autora

Ana Angélica Martins Marques, a Morango, é mineira de Uberlândia, jornalista, fotógrafa e DJ. É também autora do livro de contos Quebrando o Aquário. Passou pela décima edição do Big Brother Brasil e só foi eliminada porque transformou o temido quarto branco no maior cabaré que você respeita. É vegetariana e cuida de três filhos felinos: Lua, Dylan e Mike.

Sobre o blog

Um espaço para falar de amor, sexo, comportamento feminino e feminismo com leveza e humor. Tudo sob o olhar de uma mulher esperta, que gosta de mulheres tão espertas quanto ela!