O "Dia dos Não Necessariamente Namorados"
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Eu tava passeando pelo shopping quando entrei numa loja de roupas pra dar uma olhadinha. Era uma dessas voltas que a gente dá atrás de uma blusinha incrível que custe R$ 29,90 e simplesmente não existe, mas que a gente procura por força do hábito. Durante o rolê, enquanto batia a mão na perna acompanhando as músicas – essas lojas sempre têm playlists ótimas –, fui arrebatada por uma locução que propunha, para este 12 de junho, a comemoração do "Dia dos Não Necessariamente Namorados". É. Dia-dos-Não-Necessariamente-Namorados. Convidativa, a voz feminina sugeria a compra de "uma blusinha para presentear a amiga e chamá-la para se divertir à noite".
"É isso mesmo que eu ouvi?"
Entre uma levantada de sobrancelha do tipo "é isso mesmo que eu ouvi?" e a resposta afirmativa do meu cérebro, levou uma fração de segundo. Esbocei um sorriso de canto de boca e gargalhei por dentro. Meu Deus do céu! Dia dos Não Necessariamente Namorados!.. "Os publicitários estão indo longe demais!", refleti, e comecei a pensar em mil coisas. "Amiga". Ahã. Senta lá, Cláudia! De onde eu venho (Uberlândia, uma cidade no interior de Minas Gerais com quase 600 mil habitantes), essa "amizade" leva outro nome.
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– Ana, você é nova, bonitinha, por que não arruma um namorado? – perguntava a minha vó fim de semana sim e outro também nos idos anos 2000 e qualquer coisa.
– Ah, porque agora estou sem tempo, vó. Tô focada nos estudos e no trabalho – eu respondia, enquanto mantinha uma amiga inseparável com quem saía, viajava e dormia junto.
Naquela época eu frequentava bares e baladas LGBTQ+ morrendo de medo de esbarrar com algum vizinho ou conhecido. Pouco mais de dez anos atrás era comum que cartas anônimas escritas à mão chegassem às casas de gays e lésbicas expondo os que ainda não tinham "saído do armário". O que parece lenda urbana aconteceu com alguns amigos próximos que tiveram a felicidade de nascer em famílias acolhedoras. Eu não sabia o que esperar caso acontecesse comigo.
Será que eu sou?
Minha dúvida sobre ser lésbica foi muito breve na adolescência. Me sentia diferente das outras meninas, pesquisei sobre o assunto e então as peças do quebra-cabeça de todo o meu passado começaram a se encaixar. Lembrei, por exemplo, que durante a infância, em momentos diferentes, senti algo especial por algumas amigas. Mas foi só beirando os 18 de idade entendi que aquela coisinha boa e ao mesmo tempo incômoda, temperada por um ciúme inexplicável, era paixão. E eu tinha experimentado três vezes até então. Todas platônicas, por mulheres heterossexuais.
Mais que amigas (e mais que friends)
Agora preciso dar um salto no tempo, voltar ao passeio no shopping e finalmente explicar porque a frase sobre o Dia dos Não Necessariamente Namorados ficou na minha cabeça. É que além da ligação mental que fiz entre a "blusinha" e o "armário", recentemente uma das minhas melhores amigas, que é lésbica, começou a trabalhar em um escritório e fez amizade com uma colega (que é heterossexual). Depois de longas conversas aqui e vários almocinhos ali, elas viraram mais que amigas: friends! E a moça começou a incluir a minha amiga em todos os programas possíveis – principalmente com familiares e com outros casais. A cereja do bolo foi o convite para jantarem juntas no Dia dos Namorados. Este, que é o ú-n-i-c-o dia do ano dedicado a quem é ou quer muito ser o mozão de alguém. Por favor, publicitários, não estraguem isso.
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