Lésbica, mãe e garota de programa
Sabe aquele estereótipo de prostituta de cabaré da novela das nove? Aquela gata que dorme e acorda a fim de transar e está disposta até a pagar aos frequentadores do bordel para isso? Esqueça. É ficção.
E aquele perfil de garota que tem 20 e poucos anos, mora em Moema, zona sul de São Paulo, e faz programa para pagar a faculdade e manter um padrão de vida sofisticado? Repense. Este é verídico, mas está longe de ser regra. O que passa ao largo dos nossos olhos e, ao mesmo tempo, sob nosso nariz é muito mais denso, factível e comum. A realidade das mulheres que negociam tempo, atenção e seus corpos é mais próxima da minha e da sua do que imaginamos.
Ly tem 33 anos, é lésbica assumida desde os 16 e fala abertamente sobre isso com seus clientes. Homens e mulheres. Quando pergunto se já gozou durante um programa, a resposta é na lata: "Só quando saio com alguma mulher e ela é linda e faz sexo oral".
As amigas de Ly atendem entre três e quatro homens por dia. Ela, apenas um ou dois. "Sou fraca e sem talento", brinca. Ly não divulga seu trabalho em sites ou redes sociais. A maioria dos contatos acontece por indicação dos próprios clientes. "Eles acham o máximo comer uma lésbica. A pergunta que ouço sempre depois de ter transado é se ainda gosto de mulher. Com um sorriso de canto de boca, respondo que continuo gostando ainda mais!". Fico curiosa sobre isso, quero saber se ela finge orgasmos. "Como ninguém! Sou uma excelente atriz. Os lubrificantes ajudam."
Com tanta desenvoltura, é até difícil acreditar que ela faz programas há apenas um ano. "Trabalho há 15 anos com eventos. Jamais imaginei que seria uma 'GP' nessa altura do campeonato. Sempre fui muito de sentimento, de alma. Quando saí com meu primeiro cliente, liguei aos prantos pra amiga que tinha marcado. Eu disse que não queria mais aquilo, que não era pra mim. Depois de alguns dias, ela perguntou: 'Tem coragem de fazer um programa comigo?' Minha melhor amiga! Eu disse que achava que não. Ela insistiu e assim eu fui, toda travada, amedrontada. Ela explicou: 'Vou te tocar e ele vai me tocar. Você tenta pensar em outra coisa ou se entrega pra mim e desliga dele. Imagina que somos só eu e você.' Assim eu fiz. Depois, foi só prática e costume."
Quero saber se há limites no sexo com clientes ou se tudo é permitido, e Ly se mostra restrita. "Só faço o que eu quero. Se quiser, bem. Se não, têm várias por aí. Quanto mais liberal você for, mais você ganha." Quanto ganha por programa, ela não revela. "Eles gostam de sair comigo e com as que fazem como eu porque nos cuidamos e fazemos exames sempre. Não estamos expostas. Aí você acaba colocando suas regras."
Uma dessas regras é não atender rapazotes. "Odeio sair com garotos idiotas e babacas. Não saio nem se me oferecer o céu! Não tenho paciência. Saio com homens mais velhos, bem-sucedidos, cheirosos e maduros. Mulheres, de 35 anos pra cima." Ela conta que nem todos os programas terminam em transa, algumas vezes os clientes querem só conversar, tocar ou receber uma massagem. Um desses se apaixonou por essa morena mignon de olhos castanhos profundos. Mandou flores, mensagens fonadas, presentes. "O medo de uma pessoa assim fazer um escândalo é muito grande, então tento dizer que não 'tô' saindo mais, que não faço mais programa, que tenho alguém."
Declinar das investidas românticas de um homem é fácil, mas será que ser arrebatada por uma cliente é impossível? Ly confessa ter cometido um "erro de iniciante", se apaixonou. "Ela está me tirando o sono! Nos damos bem, não só transamos. Cozinhamos, bebemos, rimos. Aí eu me fodi. Todinha!" Os encontros acontecem na casa da cliente, uma cobertura num bairro nobre de Goiânia, capital de Goiás. A mulher, de 43 anos, é casada com um homem e tem filhos. O marido viaja frequentemente a trabalho.
Ly revela que sempre pensa em parar, principalmente por já ter vivido momentos desesperadores na profissão. "Há dois meses resolvi sair com um novo cliente, dono de um posto de gasolina. Cara rico, bem vestido… Mas o jeito dele, o olhar, a forma com que veio pra cima de mim, me gelou. Aí eu disse que estava me sentindo mal. Entrei no banheiro, enfiei o dedo na garganta e vomitei. Falei que não dava conta de ficar ali, que não estava me sentindo bem e perguntei se podíamos sair outro dia. Ele ficou nervoso, mas acabou me deixando ir embora. Depois, uma conhecida contou que saiu com ele e que ele judiou dela, gostava de bater."
De violência, Ly entende bem. Na adolescência sofreu agressões da mãe, que não aceitava sua homossexualidade. Depois, viveu um relacionamento abusivo por dez anos com uma mulher. Na noite em que terminaram, tudo mudou para sempre: "Bebi demais porque estava sofrendo e reencontrei meu primeiro namoradinho, de quando tinha 14 anos. Engravidei. Não vi, não senti, não sei como foi. Sabe aquele momento de loucura que traz pra você a melhor coisa que poderia acontecer?! Acabei ficando com medo de encarar a gestação sozinha e voltei pra minha ex. Nos separamos quando meu filho tinha três anos. Hoje ele tem sete.".
Há um ano, Ly cortou relações com o pai da criança. "Ele tentou alegar em juízo que por ser lésbica eu não poderia cuidar do meu filho. Ganhei o processo. Não quero pensão, nem quero o meu filho sendo obrigado a ir onde ele não gosta. Eu enfrento o mundo e os homens pra poder dar o que ele precisa. Mantenho sigilo por ele. Não saio à noite, só em horário comercial. Hoje somos só nós dois. Ele estuda numa das melhores escolas. Eu faço Direito, e me formo em dois anos."
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