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A emocionante carta de Seu Noronha – e ele nem é gente

Angélica Morango

03/07/2018 04h00

A carta de Seu Noronha

Seu Noronha tem 18 anos, mas não é um adolescente com um nome de vovô. Ele é bem velhinho, mesmo. Calculando em anos humanos, Seu Noronha já ultrapassou os 130. E como todo senhorzinho assim, tem a saúde frágil e demanda cuidados especiais. Mas sem perder o humor. "Eu nasci há dez mil anos atrás", como na letra do saudoso Raulzito, é a legenda de uma de suas fotos no Instagram. Idosinho, sim; moderno, também.

"Seu Noronha foi resgatado por uma amiga junto com mais seis cães. Ela pediu pra assumir esse resgate com ela e topei. Depois de todos castrados, vacinados e reabilitados, marquei uma feira de adoção. Foi muito difícil pra mim ver um cão tão velhinho esperando a chance de ganhar uma família. Ali eu senti que ele corria o sério risco de nunca ser adotado – sabemos que é bem mais difícil a adoção de cães idosos – e passar por essa vida sem conhecer o amor. Naquele momento resolvi que ele faria parte da minha família", conta Julia Bobrow, que adotou Seu Noronha há um ano, quando já tinha a Laica, de 10 anos, a Bici, de 5 e a gata Mini, de 10.

Mini e o papai Fábio Vanzo, namorado de Julia

Além de defensora da causa animal – ela era uma das ativistas presentes no emblemático resgate dos beagles no Instituto Royal em 2013, Julia é atriz do grupo Os Satyros e escritora, e já documentou em livro a história de um de seus animais, a Mocinha, uma vira-lata que seria estava prestes a ser sacrificada porque tinha uma doença degenerativa. Adotada por Julia, Mocinha conquistou milhares de fãs na internet por sua vontade de viver apesar da tetraplegia, um dos reflexos da doença. "Desistir Nunca Foi Uma Opção" é o nome da publicação que traz reflexões, fotos e dicas para lidar com cães com deficiência.

Julia Bobrow no lançamento do livro "Desistir Nunca Foi Uma Opção"

Mocinha não está mais entre nós, mas suas redes sociais com mais de 70 mil seguidores no Facebook e Instagram documentam a vida de seus quatro irmãos: Laica, Bici, Mini e Seu Noronha, o velhinho bonachão da trupe. Entre fotos e frases divertidas da família, as redes também hospedam alguns desabafos: "Hoje aconteceu uma coisa muito chata. Segurei a porta do elevador para uma mulher e quando ela viu que eu estava com os cachorros, falou que ia subir de escada. Falei 'ok' e quando fui soltar a porta ela disse 'você que deveria subir de escada'. Expliquei que o Seu Noronha tem 18 anos, que ele não consegue mais subir e descer escadas. Ela retrucou 'leva no colo'. Mostrei que ele é um cachorro de quase 30 quilos, que não aguento subir com ele no colo. O prédio só tem um elevador e está à disposição de todos. Ela ficou sem argumentos e foi de escada. Então tive a ideia de deixar uma carta do Seu Noronha para essa mulher e os demais moradores do prédio. Quem sabe assim não conseguimos conscientizar um pouco pessoas como ela?", expôs Julia na mensagem publicada na semana passada e que teve mais de 15 mil compartilhamentos no Facebook.

Seu Noronha, Laica e Bici

"Queridos moradores do prédio,

Meu nome é Seu Noronha. Sou um cachorro de 18 anos com muitas limitações. Sou cego, surdo e não consigo mais subir e descer escadas. Mesmo com todas essas dificuldades eu ainda faço questão de passear um pouco, duas vezes por dia. Então pode acontecer de vocês me cruzarem no elevador. Meus pais não conseguem me levar no colo nas escadas porque tenho quase 30 quilos.

Queria muito que vocês fossem compreensivos se me virem subindo ou descendo de elevador. Sou muito bonzinho, não faço nenhuma sujeira. Se tudo der certo, um dia todo mundo ficará velhinho e precisará de cuidados especiais, né? Não sou humano, mas mereço o mesmo amor e respeito!

Com carinho e abanos de rabo,

Seu Noronha"

A carta de Seu Noronha – que nem é gente, é anjo, como todo bichinho – me fez refletir, dentre outras coisas, sobre amor e tolerância. Nos elevadores, nas ruas e na vida o que pode ser um desafio homérico para uns é um gesto muito simples para outros: o exercício da empatia.

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Sobre a autora

Ana Angélica Martins Marques, a Morango, é mineira de Uberlândia, jornalista, fotógrafa e DJ. É também autora do livro de contos Quebrando o Aquário. Passou pela décima edição do Big Brother Brasil e só foi eliminada porque transformou o temido quarto branco no maior cabaré que você respeita. É vegetariana e cuida de três filhos felinos: Lua, Dylan e Mike.

Sobre o blog

Um espaço para falar de amor, sexo, comportamento feminino e feminismo com leveza e humor. Tudo sob o olhar de uma mulher esperta, que gosta de mulheres tão espertas quanto ela!