Dia da Memória Trans: por que essa deveria ser importante para o Brasil
Angélica Morango
20/11/2017 04h00
Rita Hester era uma dançarina americana, negra e transexual. Carismática, amada pela família e querida pelos vizinhos, ela vivia em Boston, nos Estados Unidos. Foi morta com 20 facadas em seu apartamento dois dias antes de completar 35 anos. O local não tinha sinais de arrombamento e nada havia sido levado. A brutalidade empregada no assassinato e o fato de nenhum objeto de valor ou dinheiro ter sido levado fizeram a comunidade LGBT americana considerar esse um crime de ódio. Nenhum suspeito foi preso, e a mídia se referiu a Rita como homem, numa demonstração de desrespeito à dignidade da vítima.
O crime cometido contra a dançarina aconteceu há 19 anos e ficou impune. Mas sua lembrança foi preservada por um movimento de ativistas liderado por Gwendolyn Ann Smith, também mulher transgênera, para visibilizar o massacre das pessoas trans. Com manifestações nas redes sociais, marchas, procissões com velas, leitura de nomes dos mortos, exposições e palestras, a data foi ganhando repercussão e reconhecimento em todo o mundo como o Dia Internacional da Memória Transgênera, um dia, segundo Gwendolyn, "em que honramos aqueles que perdemos e continuamos a lutar por todos".
Brasil é o país que mais mata trans
No ano passado, entidades em prol dos direitos humanos e LGBTs dos Estados Unidos elencaram 23 assassinatos de pessoas travestis e transexuais naquele país. Em 2017 o número subiu para 25.
No Brasil, onde mais se mata travestis e transexuais – metade de todos esses homicídios do mundo acontece aqui – foram 144 assassinatos só em 2016, e mais 160 neste ano, de acordo com o mapeamento diário da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, a ANTRA. Uma travesti ou um transexual é assassinado a cada dois dias em nosso país e esse número pode ser ainda maior, já que os dados compilados pela ANTRA são dos casos que chegam à mídia. As mortes que não são noticiadas pela imprensa ou são subnotificadas, quando as identidades de gênero e os nomes sociais das vítimas não são respeitados, sequer aparecem nesse levantamento. Os assassinos raramente são encontrados e quase nunca levados à justiça.
Violência contra trans começa cedo
A violência às pessoas travestis e transexuais começa cedo, em casa, na vizinhança, na escola e se espalha pela sociedade. Vítimas de bullying, preconceito e agressões físicas – quando não fatais -, essas pessoas são comumente marginalizadas. Em sua maioria jovens e com pouca escolaridade, têm oportunidades de emprego limitadas e são impelidos a viver e trabalhar nas ruas, ficando ainda mais suscetíveis a ataques.
Para enfrentar a violência e a covardia, todos precisamos estar envolvidos. Denúncias de crimes de ódio, homofobia e transfobia, podem ser feitas pelo "Disque 100", um serviço de utilidade pública do Ministério dos Direitos Humanos (MDH) que funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. A ligação é gratuita e pode ser feita de qualquer telefone fixo ou móvel. Em seu site, o MDH informa que as denúncias recebidas são analisadas e encaminhadas aos órgãos de proteção, defesa e responsabilização em direitos humanos, no prazo máximo de 24 horas, priorizando o órgão que intervirá de forma imediata no rompimento do ciclo de violência e proteção à vítima.
Disque 100 para denunciar
O "Disque 100" inclui ainda a disseminação de informações sobre direitos humanos e orientações acerca de ações, programas, campanhas e de serviços de atendimento e proteção em direitos humanos disponíveis nos âmbitos federal, estadual e municipal.
O 20 de novembro chama à reflexão em memória de todos os mortos por transfobia, mas também é um dia para a esperança na quebra desse ciclo de dor. Tão importante quanto não esquecer as vítimas desses crimes de ódio e sexismo, é celebrar as histórias felizes e inspiradoras dos que vivem.
Uma reverência à Laerte Coutinho, cartunista; Roberta Close, Lea T e Valentina Sampaio, modelos; Tarso Brant e Thammy Miranda, atores; Leonardo Peçanha, especialista em Gênero e Sexualidade e ativista; Laura de Castro, delegada; Linn da Quebrada e Candy Mel, cantoras; João Nery, psicólogo e escritor, e a todos os outros milhares de transexuais que mostram que o caminho da realização pessoal é tão diverso e tão possível!
Sobre a autora
Ana Angélica Martins Marques, a Morango, é mineira de Uberlândia, jornalista, fotógrafa e DJ. É também autora do livro de contos Quebrando o Aquário. Passou pela décima edição do Big Brother Brasil e só foi eliminada porque transformou o temido quarto branco no maior cabaré que você respeita. É vegetariana e cuida de três filhos felinos: Lua, Dylan e Mike.
Sobre o blog
Um espaço para falar de amor, sexo, comportamento feminino e feminismo com leveza e humor. Tudo sob o olhar de uma mulher esperta, que gosta de mulheres tão espertas quanto ela!