Casar? Deus me livre, mas quem me dera
Universa
30/03/2018 04h00
Eu já tinha escrito mais de meia página sobre o assunto, mas apaguei para começar tudo de novo. Para falar sobre casamento, quero – e preciso – contar com o estômago e o coração.
Eu me casei com uma mulher linda que acordou bem cedo num sábado para preparar um pavê pra mim. Dias antes, eu tinha comentado que adorava essa sobremesa e há muito não comia. Detalhe: ela não cozinhava. Mal, mal, fritava um ovinho. Mas nesse sábado, de shortinho jeans e regata bege, receita de pavê da internet numa mão e batedeira na outra, ela fez o doce. Sem saber, naquele exato momento, arrebatava o meu amor.
E ela inventou umas saladas saborosíssimas quando, muitos quilos depois, decidi fazer regime. Não foram poucas as vezes em que cheguei em casa e encontrei um prato todo colorido de legumes na mesa e chocolatinhos pendurados no teto. Foi muito fácil dizer "sim" para ela.
Mas dizer "sim" a alguém é dizer "sim" a uma sucessão de "clássicos": calcinha pendurada no box do banheiro, toalha molhada em cima da cama, e aquela divisão de tarefas – nem sempre justa – para definir quem tira o lixo e quem administra as contas, entre outras coisas. E as decisões, antes impulsivas e passionais, começam a ter embasamentos mais práticos.
Depois da festa de casamento, dos presentes, da euforia, vêm os dias muito, muito felizes. Vieram também os filhos, dois, um casal de gatinhos que adotamos. Nos divertimos em viagens, celebramos a conquista do nosso primeiro imóvel e fizemos planos que não se concretizariam.
Pouco a pouco, sem que ninguém se desse conta, as gentilezas e as pequenas surpresas se perderam na dureza do cotidiano, das prestações, dos problemas dentro e fora de casa. Devagar, a linha tênue entre a paz e a monotonia começou a se expandir e cavar sob si um abismo.
Por despreocupação ou comodismo, abrimos mão da possibilidade de tornar alguns dias incríveis, nos contentando apenas em seguir a rotina. Assim, pede-se uma pizza, assiste-se à série, dá-se um "boa noite" acostumado e dorme-se até a manhã seguinte. Cada dia da semana passa a ser uma segunda-feira aborrecida.
Tivemos todas as segundas-feiras possíveis. Eternas. Intermináveis. Então chegamos à conclusão de que poderíamos aproveitar outros dias, e sextas e sábados… Mas para isso precisávamos de tempo, de espaço e, sobretudo, nos reconectar a quem éramos antes. Grafamos o ponto final e fechamos o livro da vida que escrevemos juntas até ali.
No nosso caso, o livro era desses que termina na metade e recomeça depois de ser virado de cabeça para baixo. Hoje não somos ex-mulheres, mas melhores amigas uma da outra.
Já ouvi diversas vezes a comparação entre o casamento e uma piscina: quem entra e descobre que a água é gelada faz tudo para incentivar todo mundo a pular também. Eu sempre ri dessa baboseira, mas ela tem um fundinho de verdade. Eu adoro piscinas refrescantes. E me casaria de novo agora. Aliás, agora não, Deus me livre! (Mas quem me dera.)
Sobre a autora
Ana Angélica Martins Marques, a Morango, é mineira de Uberlândia, jornalista, fotógrafa e DJ. É também autora do livro de contos Quebrando o Aquário. Passou pela décima edição do Big Brother Brasil e só foi eliminada porque transformou o temido quarto branco no maior cabaré que você respeita. É vegetariana e cuida de três filhos felinos: Lua, Dylan e Mike.
Sobre o blog
Um espaço para falar de amor, sexo, comportamento feminino e feminismo com leveza e humor. Tudo sob o olhar de uma mulher esperta, que gosta de mulheres tão espertas quanto ela!