"Sou fotógrafo e modelo, sou homem e sou bicha", celebra artista
Universa
10/06/2020 04h00
Aos 10 anos, quando ainda era só uma criança que adorava registrar pessoas e paisagens, Lucas Silvestre, que nasceu e cresceu na periferia, no Jardim Brasil, zona norte de São Paulo, não imaginava que o passatempo faria com que ele fosse reconhecido no Brasil e no exterior.
"Sempre gostei muito de fotografia, e em casa a gente sempre teve câmera. Em viagens, eu fotografava tudo no caminho: as paisagens, a minha tia dirigindo, e também gostava que tirassem fotos minhas", lembra ele.
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O artista estampou a capa de maio da revista digital italiana "Voyeurs" (Foto por FaceTime: Jonathan Wolpert)
"Meus pais não queriam que eu fosse artista"
Na adolescência, durante o ensino médio, Lucas levava a câmera amadora para a escola, fazia retratos dos colegas e era retratado por eles. "Na época, uma amiga virou modelo. Eu achava maravilhoso e queria muito aquilo pra mim, mas acabei não conseguindo. Aí, decidi que queria ser fotógrafo. Quando conversei com meus pais sobre, eles não aceitaram, não queriam. Então me conformei. Sem apoio nenhum e sem dinheiro, não ia ter como sustentar uma carreira", conta.
A família, evangélica, não se opunha apenas à escolha profissional de Lucas, mas também à sua orientação sexual. "Eles não aceitavam que eu fosse artista, muito menos gay. Foi um processo muito difícil pra mim. Para eles era um pecado, não tava certo. No começo, não tinha muitas brigas diretas, mas muitas indiretas. Se eu saía de short, minha avó falava que era uma vergonha pros meus pais. Meus pais tentavam me levar para a igreja e eram cultos falando sobre como Deus condena a homossexualidade, enfim."
Libertação
Para cativar os pais, Lucas começou a faculdade de jornalismo. Logo no primeiro estágio, como social media, juntou dinheiro e comprou uma câmera profissional. A partir dali, tudo mudaria radicalmente. E rápido. "Fotografei muitos shows. Conheci Liniker, Johnny Hooker, Filipe Catto, e comecei a viver de perto aquilo. Esses lugares me ajudaram a me libertar pra ser quem eu sou. Sou fotógrafo e modelo, sou homem e sou bicha", celebra.
Enquanto se firmava como fotógrafo e ainda estagiava como jornalista, Lucas foi convidado por um amigo pra posar para umas fotos. Uma troca comum entre fotógrafos. O que ele não esperava é que essas fotos chegariam tão longe.
"O Emicida me chamou pra ser modelo da marca dele"
"Por causa das fotos, o Emicida me chamou pra ser modelo da marca dele. Foi o primeiro job de modelo que fiz. Foi um dia super gostoso, na Praça Roosevelt. Eu fazia estágio ainda. Saí do estágio e fui fazer as fotos. Quando percebi, eu já estava modelo. E posando pra várias marcas, e fazendo muitas coisas", revela.
O primeiro job como modelo, na Praça Roosevelt, região central de São Paulo (Foto: Eric Ruiz Garcia)
Hoje, aos 24 anos, com uma carreira consolidada e diversas campanhas internacionais no currículo, Lucas se orgulha do longo caminho percorrido até aqui. "Uma das coisas que o racismo me causou foi o reconhecimento tardio da importância de ser uma pessoa preta nessa sociedade. Antes disso, poderiam me encontrar dizendo 'somos todos humanos'. Vou aos poucos colocando isso também no meu trabalho e comunicação", expõe o artista, que tem mais de 20 mil seguidores no Twitter e Instagram.
Quarentena: tempo pra se reinventar
Lucas e o namorado, o estilista André Betio, 33, moram juntos desde o ano passado. Na quarentena, apesar de terem perdido trabalhos, como tantos outros profissionais, eles têm aproveitado o tempo pra se reinventar. "Estávamos num ritmo muito frenético de fazer coisas, de nos conectar com pessoas, com o mundo, e aí tudo parou. A gente passa muito tempo pensando em quem nós seremos enquanto artistas depois disso aqui. E a gente se apoia muito nesses quesitos de fomentar a arte um do outro. Eu fotografo as peças dele, ele me ajuda com fotos que eu quero fazer, e a gente vai se potencializando nesses quesitos. Tem sido uma experiência de trocas", conclui.
Sobre a autora
Ana Angélica Martins Marques, a Morango, é mineira de Uberlândia, jornalista, fotógrafa e DJ. É também autora do livro de contos Quebrando o Aquário. Passou pela décima edição do Big Brother Brasil e só foi eliminada porque transformou o temido quarto branco no maior cabaré que você respeita. É vegetariana e cuida de três filhos felinos: Lua, Dylan e Mike.
Sobre o blog
Um espaço para falar de amor, sexo, comportamento feminino e feminismo com leveza e humor. Tudo sob o olhar de uma mulher esperta, que gosta de mulheres tão espertas quanto ela!