A "brincadeira" misógina na Rússia doeu na alma
Dez babacas. Uma estrangeira. Por um instante pensei estar vendo um vídeo gravado por meninos da quinta série do ensino fundamental. Mas crianças de 11 anos não atingem o mesmo nível de escrotice que certos marmanjos barbados.
São adultos os protagonistas de um dos momentos mais vergonhosos da Copa até agora. Não foi "trollagem". Foi assédio, machismo, misoginia.
Assédio e humilhação
Na Rússia, numa rua repleta de pessoas com a camisa da seleção brasileira, o bando em questão, sorrindo, dispara frases como "essa é bem rosinha" e "ai, que delícia!" a uma loira. Simpática, ela sorri para as câmeras que alguns deles seguram. Então o grupo entoa, em coro: "Buceta rosa!.. Buceta rosa!.. Buceta rosa!.." e ela, que nitidamente desconhece o nosso idioma, tenta acompanhá-los no que deve ter imaginado ser um grito de torcida.
Como homens de 30, 40, 50 anos podem achar que isso é aceitável e até engraçado? Como conseguem não sentir vergonha por suas irmãs, namoradas, mães? Na internet, choveram comentários indignados, mas há quem tenha se manifestado para defendê-los: "Mimimi", "é só uma brincadeira", disseram alguns.
Numa resposta simplista, eu poderia dizer que encararia como brincadeira se o grupo tivesse se aproximado de uma roda de amigos russos e bradado com eles "Pinto rosa!.. Pinto rosa!.. Pinto rosa!..". Mas para esses brasileiros isso provavelmente não teria graça porque estariam em igualdade numérica com os anfitriões. Também é possível que não se sentissem confortáveis em comparar seus pênis aos dos europeus.
Mais que desconcertar uma mulher, entre outras vilezas, eles reforçaram a ideia preconceituosa de que uma genitália cor-de-rosa é superior às demais. E isso tem consequências aterradoras.
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Um primeiro lugar para se orgulhar?
O que se perpetua como piada ou brincadeira pode ter um impacto dramático na vida das mulheres. Além da miríade de produtos e intervenções que prometem o clareamento da região genital – e que podem ter efeitos controversos –, procedimentos que garantem a "vagina ideal" crescem vertiginosamente no Brasil. É o caso da labioplastia ou ninfoplastia, uma cirurgia que remove parte dos pequenos lábios vaginais.
Alcançamos o primeiro lugar no mundo em número de operações desse tipo: foram aproximadamente 13 mil labioplastias em 2015 e 23 mil em 2016, o que representa um aumento de 80% de um ano para o outro. Para se ter uma ideia, nos Estados Unidos, país que ocupa a segunda posição nesse ranking, foram realizadas 13 mil labioplastias em 2016.
Doeu na alma
Esses homens podiam ter comentado banalidades sobre a Copa. Ou então se manifestado contra a "lei da bofetada", instituída no ano passado na Rússia, que despenaliza as agressões domésticas praticadas contra esposas e filhos. Eles também podiam ter falado da violência contra a mulher no Brasil, onde aconteceram 3.526 casos de estupro coletivo (com dois ou mais agressores) só em 2016. Mas apesar de cientes dessas realidades, eles preferiram reproduzir um discurso, sob a carapaça de brincadeira, que erotiza e degrada as mulheres. Doeu na alma.
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