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Mães fora do armário: histórias (e dicas) para quem quer dar esse passo

Universa

16/10/2018 04h00

Foto: Arquivo pessoal Daiane Lustroso e Pietro (Foto: Arquivo Pessoal)

Daiane e Edhiléria nem se conhecem, mas têm uma história muito parecida. Mineira de Perdões, Daiane tem um filho de nove anos. Edhiléria, de Aparecida do Taboado, no Mato Grosso do Sul, também, e da mesma idade. Ser mãe de menino era o sonho de ambas, mas depois da realização veio o conflito.

"Comecei a ficar com meninas aos 15 anos. Não me assumi de cara porque a minha família não aceitava e meu pai era bem preconceituoso. Aos 17, resolvi não ficar mais com meninas e comecei a ficar com pai do meu filho, gostar dele, de como ele me tratava. Ficamos quase um ano juntos, mas faltava alguma coisa. Minha gravidez não foi planejada, entretanto sempre desejei ter um menino. Depois que tive meu filho, aos 19, tive certeza de que gostava de garotas, e depois disso nunca mais fiquei com homens", conta Edhiléria.

Edhiléria Stefano e o filho (Foto: Arquivo Pessoal)

O casamento de Daiane durou um pouco mais, sete anos, até o dia em que ela se apaixonou por uma mulher: "Meu filho tinha três anos quando resolvi me separar. Foi bem difícil. Além de ter um filho, eu estava meio perdida com aquilo tudo, pois era novidade até pra mim. Por várias vezes meu ex disse que meu filho não me olharia com os mesmo olhos e que não me aceitaria por gostar de mulher, mas a relação com meu filho sempre foi amorosa e de muita cumplicidade."

Abrindo o jogo

"Quando fui morar com minha ex-mulher, meu filho ainda não sabia de mim. Aos seis anos, ele perguntou o que ela era minha. Na hora fiquei em choque! A filha dela já sabia, tinha nove anos. Sentamos no sofá e disse que ela era minha namorada", recorda Edhiléria.

Daiane apresentou a namorada como uma amiga ao filho, e aos poucos os dois foram se aproximando. "Quando ele completou quatro anos, conversei abertamente, expliquei que eu já não gostava do pai dele pra namorar, que agora eu gostava de outra pessoa, e que essa outra pessoa era uma mulher. Ele me perguntou: 'Mas mamãe, duas mulheres namoram?'. Respondi que sim, não importa se é homem com mulher, mulher com mulher, ou homem com homem, o que importa é o que a gente sente pela pessoa. Tive alguns problemas, o pai vivia falando pra ele que 'isso não era de Deus', entre outras coisas. Sempre ensinei a ele que ninguém é igual a ninguém, que não é porque ele gosta de vermelho que as outras pessoas têm que gostar. Hoje se algum homem chega em mim, ele fala 'minha mãe gosta de mulher, viu?!' (risos)"

Para Thayane Mendes, que é carioca, bissexual e mãe de uma menina, explicar sua orientação sexual à filha foi tão fácil quanto falar de amor. "Quando comecei a namorar a minha ex, minha filha tinha dois anos – hoje tem quatro. Ela conviveu com a gente e sempre foi normal. Uma vez, acho que alguém na creche deve ter dito que menina não namora menina, algo assim, e ela veio com o assunto. Aí respondi: 'A Thamires é menina, namora a mamãe e não é errado'. Sempre falo com ela que as pessoas podem amar quem quiserem."

Thayane Mendes e a filha (Foto: Arquivo Pessoal)

O que pode ser simples para algumas mães (e pais) LGBT tira o sono de outros. Ansiedade, angústia e medo assombram os que vivem anos, às vezes décadas, à espera do momento certo para sair do armário. Para Fernanda Fonseca, psicóloga e coach LGBT, quanto mais cedo acontecer a conversa, melhor: "Quanto mais nova a criança é, mais fácil é para contar, pois você não precisa ficar dando muitas explicações. Somente precisa contar o essencial, o que perguntarem, e o que já tiverem capacidade para compreender. Dentro do ritmo e do limite delas, elas entenderão e aceitarão sem grandes complicações, pois as crianças encaram o amor com muita naturalidade".

Quando os filhos já são adolescentes ou adultos, a psicóloga recomenda que a revelação aconteça aos poucos. "Algo que pode te tranquilizar é tentar descobrir o que seus filhos pensam sobre pessoas LGBT. Não se esqueça de que muitas vezes os filhos sentem ou desconfiam quando o pai ou a mãe escondem algo importante, e segredos em família trazem consequências negativas, como o empobrecimento das relações", explica Fernanda, que traz algumas dicas essenciais para quem planeja se abrir com os filhos:

Sugestões de como você pode contar para os seus filhos

* Se estiver com muito medo, primeiro treine contando isto para quem já te apoia, ou mesmo para pessoas desconhecidas.

* Escolha um lugar com privacidade e segurança.

* Explique que mesmo sendo difícil revelar isso, você tomou esta decisão para vocês poderem ter uma vida mais autêntica, para que não existam segredos entre vocês, para que você possa ser mais feliz e ficar mais à vontade.

* Diga que poderão conversar sobre isso outras vezes, se for necessário.

* Ofereça a visita a algum(a) psicólogo(a) de sua confiança para que possam conversar sobre o assunto, desabafar, refletir, e aceitarem sem se sentirem tão sobrecarregados, ressentidos ou pressionados.

* Sugira conversarem com outras pessoas adultas (que tenham condições de oferecer suporte) porque nem sempre eles vão se sentir à vontade para conversar sobre isso com você. Há momentos em que pode ser melhor conversar com uma pessoa de fora.

* Se prepare e entenda que cada pessoa processa as informações de uma maneira diferente: algumas ficam caladas, outras perguntam muito. Algumas imediatamente aceitam, outras imediatamente rejeitam. E pode ser surpreendente. Reações negativas podem ser passageiras.

* Lembre-se que esta sua atitude poderá ser um ensinamento e tanto, uma motivação para que encarem a vida e os problemas de frente, para que tudo flua de uma maneira mais natural, para que valorizem mais a honestidade, uma boa comunicação, e que tenham a coragem de ser o que realmente são.

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Sobre a autora

Ana Angélica Martins Marques, a Morango, é mineira de Uberlândia, jornalista, fotógrafa e DJ. É também autora do livro de contos Quebrando o Aquário. Passou pela décima edição do Big Brother Brasil e só foi eliminada porque transformou o temido quarto branco no maior cabaré que você respeita. É vegetariana e cuida de três filhos felinos: Lua, Dylan e Mike.

Sobre o blog

Um espaço para falar de amor, sexo, comportamento feminino e feminismo com leveza e humor. Tudo sob o olhar de uma mulher esperta, que gosta de mulheres tão espertas quanto ela!