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Morango

Minha brasileiríssima – mas nada tradicional – família

Universa

26/10/2018 04h00

Minha primogênita, Lua, que tem 5 anos e meio (Foto: Arquivo Pessoal)

Tenho três filhos. Me apaixonei perdidamente por cada um deles no instante em que os vi. Brinco que de fato os gerei, porque temos vários traços de personalidade em comum. Ademais, adoramos silêncio, carinho e muitas horas de sono.

Tecnicamente, eles não são os gatos mais lindos do mundo. Na maioria das fotos minha primogênita sai com cara de má, o do meio assustado, e o caçula, que é completamente estrábico, está sempre com uma expressão de quem acabou de acordar. Meu trio é completamente desengonçado. São vira-latas da ponta das orelhas até o último pelo do rabinho. Somos, aliás.

Meus meninos: Dylan (à esquerda) e Mike, o caçulinha (Foto: Arquivo Pessoal)

Não faço a menor ideia da "linhagem" da qual descendo. Meu avô paterno era português, e etnicamente, isso é tudo o que comprovadamente sei. Baixinho e careca, Antônio era representante comercial. Comunicativo que só, acabou conquistando minha avó, uma mulher que tinha cabelos cor de mel e olhos profundamente verdes.

Mais ou menos na mesma época, lá na década de 1960, e no mesmo estado, Minas Gerais, uma jovem fazendeira não muito bonita (palavras dela) apaixonava-se por Geraldo, um moreno alto lindo (também palavras dela), de farta cabeleira cacheada. Pois bem.

Antônio, o portuga, e Felicidade – sim, esse é o nome da minha avó – se casaram quando ela tinha 27 anos; ele, mais de 40. Os dois tiveram três filhos até que, num acidente de carro durante uma viagem a trabalho, meu avô faleceu. Meu pai tinha quatro anos de idade. Minha avó sofreu o choque da perda abrupta, mas já vinha há algum tempo maturando a ideia de criar os filhos sozinha. Uma vez ela me segredou que na noite em que ele regressaria para casa, os dois teriam uma conversa definitiva: ou ele passaria menos tempo em bares e festas com os amigos, e mais com a família, sendo um pai verdadeiramente presente, ou ela pediria o divórcio.

Meu avô Antônio e minha avó Felicidade na década de 1960 (Foto: Arquivo Pessoal)

Já o casamento de Geraldo, o "Caio Castro" de seu tempo, e Mariana, a jovem rica, mas não muito bonita, durou quase vinte anos. O casal teve cinco filhos: um menino e quatro meninas; uma delas, minha mãe. Geraldo não morreu quando as crianças eram pequenas – ele as abandonou, segundo minha avó. Foi viver com outra mulher e teve mais três filhos. Mariana seguiu apaixonada por ele por décadas, até a velhice. E acreditou, durante toda a vida, que ele só tinha pedido sua mão pelo dote – prontamente dilapidado em jogos de azar. Conheci meu avô já velhinho, só a "capa da gaita", mas era um senhor muito carismático. Viciado em café, cachaça e cigarros de palha, ele morreu após uma gangrena na perna aos 60 e poucos. Minha avó partiu quase 30 anos depois – e falou dele até seu último suspiro.

Tenho orgulho dos meus traços e da minha história. A origem da minha família é brasileiríssima, mas não tem nada de "tradicional". Revisitar com argúcia esse passado me torna mais atenta ao presente: não quero cometer os mesmos erros. Temo a predisposição ao vício em bebidas, jogos e, talvez, lá no fundo, eu também tema o amor. Olho pras vidas que se entrelaçaram até que a minha acontecesse e sinto uma gratidão imensa. É muito bom estar aqui, apesar do momento sombrio que vivemos.

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Sobre a autora

Ana Angélica Martins Marques, a Morango, é mineira de Uberlândia, jornalista, fotógrafa e DJ. É também autora do livro de contos Quebrando o Aquário. Passou pela décima edição do Big Brother Brasil e só foi eliminada porque transformou o temido quarto branco no maior cabaré que você respeita. É vegetariana e cuida de três filhos felinos: Lua, Dylan e Mike.

Sobre o blog

Um espaço para falar de amor, sexo, comportamento feminino e feminismo com leveza e humor. Tudo sob o olhar de uma mulher esperta, que gosta de mulheres tão espertas quanto ela!