“Sou um homem com peitos, cadeirante e trans. Não nasci no corpo errado”
"Desde pequeno eu me questionava por não conseguir ver uma mulher completa no espelho. Nas brincadeiras, sempre fazia personagens masculinos. Na adolescência, evitava fotos e tentava, de todas as formas possíveis, me encaixar no padrão. Comecei a me maquiar e me sentir preso na química do cabelo, que era longo, para tentar ver a mulher que todos diziam que viam. Como tinha alta taxa de testosterona, tomava hormônios femininos e bloqueador para não ter pelos. Arrancava cada fiozinho com pinça. Chorava sempre que tinha que sair porque eu não tinha depilado o meu queixo ainda. Por incrível que pareça, esse já foi meu pesadelo", revela Kollinn Costa Benvenutti, de 23 anos, que hoje celebra cada fiozinho de barba que nasce no rosto.
Homem trans, cadeirante e bissexual, Kollin cursa Sistemas de Informação, trabalha na faculdade em que estuda, no núcleo de informática, e também é palestrante. Em suas conferências, ele fala sobre transexualidade e enfatiza a importância da sociedade enxergar as pessoas com deficiência como capazes de ter vida social, amorosa e sexual independente da limitação física.
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"Nas palestras eu conto a minha rotina, falo das minhas viagens e explico o que faço. Na maior parte das vezes, as pessoas questionam como minha mãe lida com a minha liberdade, porque eu saio desde muito novo. Elas também perguntam das minhas limitações, mas raramente questionam o pior paradigma, que é sobre acessibilidade social", explica ele, que também é bastante ativo no Instagram, onde tem mais de 3.000 seguidores.
Acessibilidade social
"Muitas vezes meu currículo não foi visto e eu não pude mostrar o quanto sou capaz de exercer uma determinada função só por conta da minha deficiência. A gente é, literalmente, julgado pela capa. Isso é capacitismo (discriminação à pessoa com deficiência). Tudo isso e ainda mais! Tudo muito velado por um 'Ah, eu não sabia que ele sabia fazer!..'. No meu primeiro emprego, numa empresa de calçados, sofri tanto preconceito que tive depressão. Tentei até suicídio. Acho importante que além de acessibilidade física, tenhamos acessibilidade social. O capacitismo não é só a exclusão, mas também aquela piada que as pessoas fazem e todos riem, inclusive a pessoa com deficiência, mas que nela provoca um impacto negativo e gera traumas", expõe.
Por causa de uma paralisia cerebral que atingiu sua coordenação motora, Kollinn tem algumas limitações de movimento, o que faz, por exemplo, com que ele não consiga ficar de pé por muito tempo. Junto com a barreira de gênero que rompeu recentemente, quando passou a se identificar como homem, ele transpôs outra: a do "padrão".
"Não nasci no corpo errado"
"Eu não odeio o meu corpo, não odeio o meu genital, muito menos nasci no corpo errado. Fiquei perdido por 22 anos sem saber a qual gênero pertencia e como eu poderia me expor pra sociedade. Ao me assumir homem trans, usava narrativas alheias como espelho. Comecei a fazer academia pra ter barriga tanquinho e braço bombado. Com o passar do tempo percebi que isso estava me fazendo mal, então busquei a minha própria narrativa. Sou um homem com peitos, cadeirante, trans, bipolar, que não tem barriga tanquinho e que não faz hormonioterapia. Consegui paz com o meu corpo e consegui ser um homem pra mim, não pra me encaixar num padrão da sociedade. A sociedade padrão que lute pra se encaixar em mim", desafia.
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