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"Toda Grandona", a primeira festa de celebração de corpos gordos do país

Universa

24/10/2018 04h00

Ricardo Lima, Caio Cal, Alexandra Gurgel, Juliana Rangel e Bernardo Boechat: amigos e sócios

Eles se conheceram lutando pela mesma causa: a autoaceitação. Juntos, os cinco amigos firmaram um coletivo e estenderam a parceria a vários negócios: de uma festa exclusiva a uma loja de roupas, e até música! Viraram o jogo contra o bullying e a gordofobia que sofreram desde a infância e hoje são referência no movimento body positive (que prega o amor próprio e o respeito a todos os tipos de corpos) no Brasil.

"Somos gordos. Pessoas são gordas, pessoas são magras. Temos que tirar o estigma de que gordo é ofensa e ressignificar a palavra para o que ela sempre foi: apenas uma característica corporal", expõe a publicitária Juliana Rangel (Foto: Reprodução/Instagram)

"Eu fui uma criança fora do padrão. Meu corpo nunca atendeu às demandas impostas pela sociedade, principalmente com relação à masculinidade. Na puberdade eu fui de casaco pra escola todos os dias, embalado pelo calor maçante do Rio de Janeiro. As coisas mudaram quando eu finalmente pude entender que meu corpo era uma ferramenta política. Aos 19 anos fui à praia sem camisa pela primeira vez e me senti livre. Ser livre é não ter medo. E é assim que todos deveriam se sentir, sempre. Essa é a nossa luta. Hoje as coisas caminham lentamente para um lugar melhor, e vamos continuar na linha de frente para que um dia o sonho que sonhamos juntos se torne a realidade comum", prega Ricardo Lima, diretor criativo do coletivo, o Volume.

Autora do primeiro livro sobre gordofobia no Brasil, o 'Pare de se odiar', Alexandra Gurgel revela ter levado mais de duas décadas para descobrir o amor pelo próprio corpo, que hoje é celebrado: "Minha relação com meu corpo passou do ódio que eu senti durante 26 anos fazendo dietas, tomando laxantes e diuréticos todos os dias, ficando sem comer, forçando uma vida com anorexia e bulimia, fazendo exercícios extenuantes… Passou disso para o amor próprio! Depois que entendi a sociedade em que vivo, patriarcal e machista, descobri que não sou obrigada a nada, muito menos a ser de uma determinada forma. Assim, fui quebrando padrão atrás de padrão. Hoje sou uma mulher de 29 anos que se ama e que ajuda as pessoas a saírem do buraco em que ela ficou presa durante tanto tempo.".

"Desde pequeno sempre fui gordo, e isso foi algo que mexeu muito comigo. Ia pra médico desde os 14 anos e sempre ouvi que não conseguiria namorar ninguém com esse peso, além de outras coisas muito piores. Ser gordo me tornou uma pessoa tímida e isolada. Acreditava que meu destino era mesmo ficar sozinho e excluído. Não tinha muita segurança de falar com outras pessoas ou de sair muito de casa. Com a saúde mental abalada e as constantes dietas que fazia, acabei engordando cada vez mais, até o dia em que resolvi fazer uma bariátrica. Uma semana antes, desisti. Foi só aí que comecei a pesquisar outras formas de ver o meu corpo e descobri o body positive e o movimento antigordofobia. Desde então, consigo ver meu corpo de uma outra forma e entender que ele é meu amigo, não meu inimigo. Hoje, trabalho para falar sobre aceitação, e sobre como isso mudou a minha vida", conta o youtuber Bernardo Boechat.

"Tô pe-sa-do-na gostosa, toda grandona, sou gorda, jogo a bundona, joga na nuca, quica na ponta" é o refrão de Toda Grandona, música que surgiu da parceria entre o coletivo Volume e as rappers Issa Paz e Sara Donato, do duo Rap Plus Size. Toda Grandona está disponível em todas as plataformas digitais e seu clipe já foi visto mais de meio milhão de vezes no YouTube (Imagem: Reprodução)

"Meu corpo é meu lugar no mundo"

"Passei quase 30 anos acreditando que a minha vida só iria começar de verdade quando tivesse um corpo magro. A melhor coisa que fiz por mim foi parar de enxergar meu corpo como um problema, e isso só foi possível quando parei de tentar me encaixar nesse padrão de beleza que só enriquece com a minha infelicidade. Hoje o meu corpo é o meu lugar no mundo e ele me permite uma infinidade de coisas que antes eu não percebia ou não me permitia fazer por estar infeliz comigo mesmo. Parece que o mundo se abre, sabe? Engana-se quem pensa que autoaceitação é conformismo. Não é fácil ter empatia com o próprio corpo quando temos uma sociedade que foi pensada por magros e para magros, mas é um exercício diário que a gente tem que se propor a fazer", pontua o youtuber Caio Cal.

Toda Grandona é a primeira festa body positive do Brasil (Foto: Reprodução/Instagram)

Body positive para todos

"Precisávamos colocar nossos corpos na rua. Surgiu então a ideia de uma festa que exaltasse o corpo gordo, já que em todas as outras ele é rejeitado. Um espaço seguro onde as pessoas pudessem vestir e ser o que quiserem, sem olho torto, sem julgamento. E as pessoas têm pirado! A festa cresce a cada edição, e isso é o nosso melhor termômetro. Nos posicionamos como uma festa de minorias, pois existem negros gordos, gays gordos, lésbicas gordas, cadeirantes gordos… O body positive é literalmente pra todos, e é lindo ver essa diversidade! Nossa máxima é: todo corpo é livre!", preconiza Juliana.

Quem quiser se jogar na pista da Toda Grandona não precisa esperar muito: em dezembro rolam duas edições, uma no Rio de Janeiro, outra em São Paulo. Até lá, dá pra acompanhar todas as novidades do coletivo no Instagram.

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Sobre a autora

Ana Angélica Martins Marques, a Morango, é mineira de Uberlândia, jornalista, fotógrafa e DJ. É também autora do livro de contos Quebrando o Aquário. Passou pela décima edição do Big Brother Brasil e só foi eliminada porque transformou o temido quarto branco no maior cabaré que você respeita. É vegetariana e cuida de três filhos felinos: Lua, Dylan e Mike.

Sobre o blog

Um espaço para falar de amor, sexo, comportamento feminino e feminismo com leveza e humor. Tudo sob o olhar de uma mulher esperta, que gosta de mulheres tão espertas quanto ela!