Desafio duplo: como é ser uma pessoa com deficiência e LGBT no Brasil
"A maioria das famílias acha que estamos confusos, que é uma fase, que vai passar. E o pensamento da minha mãe não foi diferente. Hoje consigo compreender melhor a minha mãe e seus receios. Ainda acho exagerados, mas entendo, porque o mundo é cruel, ainda mais com quem não atende às expectativas dos padrões. E eu não atendo", conta Pedro Fernandes, de 27 anos, que tem paralisia cerebral, se assumiu gay aos 15, é ator, formado em Marketing, estudante de Serviço Social e palestrante.
Pedro nasceu prematuro, aos cinco meses. Durante o parto, sofreu com a falta de oxigenação no cérebro, que lhe causou a paralisia. "Ela não afeta minhas funções cognitivas, de fala e intelecto, mas as motoras", explica.
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"Acham que a pessoa com deficiência física não tem o direito de ter uma vida sexual ativa"
Para Pedro, ser uma pessoa LGBT com deficiência é um desafio duplo: "Muitos acham que a pessoa com deficiência física não tem o direito de ter uma vida sexual ativa, sair, beber, se divertir. O deficiente não está ligado só à fisioterapia, a hospital. A gente tem uma vida afetiva e social dinâmica. Quando a gente vai numa boate, num motel, a gente não tem acessibilidade adequada, não tem locais inclusivos. Nem em cidades pequenas, nem nas grandes capitais", diz o palestrante, que é de Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro.
"Já perguntaram se eu fazia sexo normalmente, se eu gozo"
Nas redes sociais, onde é bastante ativo, e nas palestras que dá sobre diversidade e sexualidade da pessoa com deficiência, Pedro responde às mais variadas perguntas. "As pessoas querem saber como consegui assumir a minha sexualidade sendo cadeirante, e respondo que não tive escolha: ou era isso ou viver me escondendo, então preferi encarar essa realidade. Já perguntaram se eu fazia sexo normalmente, se eu gozo, essas coisas. Eu levo essas perguntas em consideração porque dependendo do grau de deficiência a pessoa não tem o orgasmo, a ejaculação, tem outros pontos de prazer. No meu caso é tudo normal, até demais!", revela entre risos.
"Meu primeiro namorado não ficava comigo em público", conta Ivone
"Meu primeiro relacionamento foi aos 15 anos, um namorico na escola. Aí percebi que ele não ficava comigo em público, como os outros casais, e perguntei por quê. Ele respondeu que tinha vergonha de falar para os amigos, disse que eles não entenderiam, que tirariam um barato… E isso chegou aos ouvidos da minha mãe. Ela falou que eu não tinha condição nenhuma de namorar, que eu não dava conta nem de mim mesma. A partir daí surgiu um bloqueio e passei a não querer me relacionar com mais ninguém, apesar de nunca ter tido vergonha do meu corpo", recorda a ativista LGBT Ivone de Oliveira, 51, de São Paulo.
O pulo da Gata de Rodas
Ivone passou a maior parte da juventude em casa, onde trabalhava como costureira, bordadeira e confeccionava roupas de crochê. "Por volta dos 30 anos comecei a perceber que havia muita negação da minha existência por eu ser uma mulher com deficiência. O preconceito partia da família, da sociedade e do Estado. Percebi que o tempo estava passando e decidi que não iria mais ficar quieta e me anular", conta ela, que se formou em Ciências Contábeis, conquistou seu primeiro emprego com carteira assinada e criou um blog, o "Gata de Rodas", para contar sua história e inspirar outras pessoas.
"Fui infantilizada porque eu saí de um carrinho de bebê e fui para uma cadeira de rodas"
"Eu não queria colocar no blog 'mulher cadeirante', 'deficiente', não, não. 'Gata', porque é assim que as mulheres são vistas quando são desejadas, admiradas pela sociedade. Queria conversar com outras pessoas que assim como eu têm deficiência, e fui buscar minha identidade, porque eu não tinha uma identidade até os 30," relata Ivone, que aos seis meses de vida foi diagnosticada com poliomielite, popularmente conhecida como paralisia infantil. "Meus pais duvidavam da minha capacidade por eu usar uma cadeira de rodas. Fui infantilizada porque eu saí de um carrinho de bebê e fui para uma cadeira de rodas, e eles fizeram disso uma extensão. Fui muito presa."
"A pessoa que é dependente da família teme demonstrar sua sexualidade e ser boicotada dentro de casa"
"Meus primeiros relacionamentos foram com homens héteros. Depois me relacionei com uma lésbica, que foi uma pessoa muito importante na minha vida, e, por último, com uma travesti maravilhosa, de quem sou amiga até hoje. Sou bissexual. Desde 2017 abrimos a Parada LGBT de São Paulo e isso deu mais visibilidade às pessoas com deficiência. Cada um começou a contar suas histórias, a sair dos seus armários, e todo mundo começou a se encorajar nessas questões. A pessoa que é muito dependente da família fica com medo de demonstrar sua sexualidade, sua identidade de gênero real, por temer ser boicotada dentro de casa", pontua Ivone.
"A pessoa com deficiência trabalha, estuda, então a inserção no mercado de trabalho é fundamental até para ajudar a criar uma política de acessibilidade mais efetiva e eficaz pra todos, não só pra pessoa com deficiência, mas pro idoso, pra mãe com carrinho de bebê… A acessibilidade acaba atendendo a todos, e uma das melhores formas da gente implantar isso é fazendo essa reeducação nas empresas", alerta Pedro, no momento em que a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho é gravemente ameaçada pelo Projeto de Lei 6.159/2019, apresentado pelo governo Bolsonaro, que desobriga empresas de adotarem uma política de cotas.
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