A vida de quem se mudou de casa – e até de país – no meio da pandemia
Morar numa quitinete em São Paulo era um sonho para a comediante carioca Babu Carreira. Na capital paulista, com muito trabalho e uma agenda de shows lotada, seu desejo se concretizou rápido. A rotina agitada e o reconhecimento nacional (a humorista foi um dos destaques do quadro "Quem Chega Lá", do Domingão do Faustão) pareciam prenunciar que tempos ainda melhores estavam a caminho. Mas no meio do caminho tinha uma pandemia. E para ela ninguém estava preparado.
Em fevereiro, Babu se apresentava diante da maior plateia de sua carreira no dominical da Globo. O auge. Exatamente um mês depois, por causa da quarentena, enfrentava um dos momentos mais difíceis até então: uma mudança de apartamento sozinha, sem poder contar com a ajuda de amigos ou familiares (por causa do isolamento social) – e tudo isso durante uma crise financeira.
"Todos os meus jobs do mês caíram, e eu tava numa crescente na carreira. Ia ser meu primeiro mês com conforto financeiro oriundo do stand up. Por isso, inclusive, marquei a mudança. E tomei no c*. Foi bem no início da quarentena, quando as coisas começaram a fechar", conta ela, que teve uma mãozinha de um carroceiro e de um motorista de aplicativo para transportar seus pertences de um prédio a outro, na mesma região.
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Do centro para a zona sul
A paulistana Aline Moreno viveu dias parecidos. Durante três anos dividiu um apartamento na Consolação, região central de São Paulo, com outras três pessoas. Incomodada com o barulho, ela queria morar num bairro mais tranquilo. Só não previu que a mudança aconteceria na quarentena, com diversos fatores desfavoráveis. "Minha renda é variável. Com o home office, eu basicamente a perdi", resume ela, que é atendente comercial e se mudou para a zona sul da cidade, onde agora divide uma casa com um de seus melhores amigos.
"A maior lição deste momento está sendo encarar a ansiedade sem ter distrações como sexo, bebidas e saídas. Estou mais organizada com as rotinas de casa e consegui separar muita coisa para doação. Decidi que não quero acumular nada que eu não vá usar. Estou cozinhando todos os dias e sem desperdício de comida, já que preciso pensar nas compras para não ir muitas vezes ao supermercado. Também dimensionei minhas relações. A pior parte foi passar meu aniversário na quarentena, mas os amigos fizeram meu dia ser muito gostoso. Recebi várias mensagens lindas e teve bolo também", celebra Aline.
De São Paulo a Salvador
Em fevereiro, depois de cinco anos morando em São Paulo, o advogado soteropolitano Murilo Ferreira decidiu voltar à sua cidade natal para ficar mais perto dos pais. "Quando o surto começou, não acreditei que atingiria grandes proporções no Brasil. Quando iniciaram os casos em Salvador, meu namorado, que mora no interior da Bahia, me convidou para ficar com ele. Lá (em Senhor do Bonfim, a 400 quilômetros de Salvador), a possibilidade de contaminação seria menor. Levei em consideração que moro com meus pais, ambos idosos, e certamente não conseguiria me manter sem uma corrida diária pelo menos. Pensando neles e no meu equilíbrio psicológico, decidir ir. Apesar de não ter casos confirmados na cidade, o confinamento tem sido respeitado à risca."
"Com o dever de isolamento, confesso que por muitas vezes me sinto sufocado e com excesso de energia armazenada em meu corpo, o que tem causado muito estresse no convívio com as pessoas mais próximas. Apesar de continuar trabalhando em home office, este não rende como deveria, porque além de dividir um espaço com outras pessoas existe o estresse da sensação de prisão", entrega o advogado.
Quarentena na Espanha
Após perder o emprego a contadora Camila de Paula decidiu passar um tempo sabático com a namorada, que vive na Espanha. A ideia era descansar por algumas semanas e aperfeiçoar o idioma antes de distribuir currículos. Camila desembarcou em Madri no início de março sem imaginar que poucos dias depois o país seria um dos mais afetados pelo covid-19.
"Não quero voltar para o Brasil, mas estou engessada por não ter uma expectativa de trabalho por aqui, nem por aí. Dá aquele medinho, sabe?! O que deixa a mim e meus familiares mais tranquilos é que não estou em Madri, onde há mais casos de contágio e mortes. Estou em Cáceres (cidade com aproximadamente 400 mil habitantes). Não saímos de casa se não for importante. Escolhemos frutas e verduras no mercado, e as compras mais básicas pedimos pela internet, tendo o cuidado de passar cloro ativo em tudo o que chega."
"O isolamento é presencial, use a tecnologia"
"O que mais se percebe diante deste quadro de pandemia é o aumento no número de pessoas ansiosas. Seja porque querem retomar suas vidas cotidianas, ou até porque 'se cansaram do descanso' supostamente promovido pelo isolamento", explica o psicólogo Kennedy Visita, alertando que a situação de quem se mudou neste período é mais delicada.
"Podemos visualizar um quadro de adoecimento ainda pior, uma vez que esta pessoa projetou e criou expectativas de uma nova vida, além de, muitas vezes, estar a quilômetros de distância de seus amigos e familiares, o que reforça o isolamento no sentido psicológico", pontua Kennedy.
Para minimizar o desconforto da quarentena, o psicólogo sugere meditação, yoga e outras práticas que possibilitem o equilíbrio das emoções, além da elaboração de planos para o pós-isolamento: "utilize este momento para criar ou recriar estratégias".
"O isolamento é presencial, nada impede que você ligue para aquele amigo distante que te faz rir ou para aquele familiar de quem sente falta. O tempo pode ser aproveitado também para jogos e interações familiares que podem ter sido perdidas ou fragilizadas pela correria do dia a dia. Use a tecnologia a seu favor. Não se isole das pessoas que te fazem bem", aconselha o psicólogo.
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