Ao se descobrir lésbica, ela abandonou noivado aos 35; aos 60, é drag queen
Desde pequenininha, Ana Cristina de Sá, a Anitta Volcano, tinha paixão pelos holofotes. Atuava nas peças de teatro da escola, tocava violão, participava do coral. O encantamento pelo palco era, também, um reflexo da admiração pelo pai, o locutor Alfredo Gramani, estrela do rádio e da TV da década de 1950.
Infância estrelada
"Em casa, a gente sempre preservou muito a cultura. A gente conhecia os artistas e aquele mundo sempre me fascinou", conta. Nair Bello, Lima Duarte e Adoniran Barbosa eram alguns dos ícones que trabalhavam com o pai.
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Na adolescência, entretanto, ao invés do teatro, Ana escolheu a enfermagem, a psicologia e a pedagogia. Tem as três graduações. E foi justamente num grupo de estudos que uma declaração inesperada mudou completamente a sua trajetória.
Descoberta aos 35
"Eu tinha 35 anos, ia me casar com um rapaz e fazia parte de uma lista de discussão de doutoras da minha área de atuação. Um dia, uma delas falou que estava apaixonada por mim. Fiquei muito brava! Imagina?! Eu tava noiva, namorava há dois anos e meio, tinha carta de crédito pra comprar uma casa, e nunca me dei mal com os homens. Mas pensei: 'Epa! Espera aí! Se eu tenho essa dúvida, se fiquei tão brava, vou verificar o que é isso'. Acabei me encontrando com essa doutora, que era do Rio de Janeiro, e aí rolou. É legal com os dois, com homem e com mulher, mas os hormônios corriam de uma forma muito mais interessante com mulher. Aí vi que a minha orientação era essa", revela.
"Você é lésbica?"
"Depois de desfazer o noivado, um dia tava vendo TV e minha mãe perguntou: 'Filha, você é lésbica?'. Eu respondi que sim e continuei vendo a televisão. Sabe a história do 'meu mundo caiu'? Aquela mulher moderninha, bacana, socialista… Mas a culpa… Os pais sempre sentem culpa", lembra Ana, sobre a reação inicial da mãe.
"Acho que o medo da minha mãe era daquele estereótipo. Na nossa família nunca tinha tido uma pessoa que desenvolvesse uma relação homoafetiva. Anos depois, o que rola: minha sobrinha mais nova também se descobriu lésbica e está morando com a namorada lá na casa do meu irmão. Você vê, né?! Acho que comecei a linhagem aí", brinca.
E conclui: "Ou muitas pessoas podem ter se reprimido no passado. Não se falava sobre o assunto nos anos 1940, 50, 60. Eu já peguei 1960, 70. Já tinha tido um pouco de libertação feminina. Por mais que tenha sido um pouquinho difícil pra minha mãe e pro meu pai, no final eles aceitaram na boa.".
Ana foi casada durante dez anos com a primeira mulher, depois por 11 com a segunda e, agora, celebra o relacionamento com a atual companheira, Cléo. As duas se conheceram por um aplicativo de paquera.
"Quando sentamos pra conversar, descobrimos que nascemos no mesmo dia, mês e ano: 29 de setembro de 1959! E nossos pais são parecidos, é uma coisa louca isso! Nosso amor estava escrito nas estrelas! Cléo é uma pessoa muito tranquila, calma e querida. É uma pessoa que me traz paz."
"Baby drag"
Enfermeira aposentada, Ana é tão apaixonada pela arte drag que convenceu a namorada a participar. "Sou uma baby drag, comecei ano passado. Fui tão bem aceita que isso me empoderou. Eu era mais tímida. A Anitta, quando vem, é essa mulher que não tá nem aí. Ela aperta o botãozinho do 'foda-se' e vai em frente", explica, sobre sua personagem.
Anitta é o nome da avó. Volcano, uma referência ao trecho de Call Me When You Get This, música de Corinne Bailey Rae: 'these little volcanoes came as a surprise to me' [esses pequenos vulcões surgem como uma surpresa para mim].
Para Ana, ser drag é ser resistência. "Sou mulher, 60 anos de idade, lésbica e drag queen. Criei o projeto 'Haus of Volcano', para reunir mulheres acima dos 50 anos que queiram conhecer a arte drag. Esse projeto consiste em oficinas sobre a arte drag e culmina com uma festa. Pra quem quiser contiuar, nossa proposta é ir a escolas para fazer palestras, mostrar a arte drag e falar sobre inclusão e diversidade."
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