Indígena, bissexual e rapper, Katú desafia: "Descoloniza esse pensamento"
Angélica Morango
22/04/2019 05h00
"Cheguei pra tentar abrir a sua mente
Você diz que é homenagem,
mas você sabe que mente
Sem respeito e empatia,
bem inconsequente
Usou minha hashtag pra afrontar a gente
Seu discurso é bem vazio e bem
inconsistente
Você só usa cocar pra ser 'o' diferente"
Provocador, o trecho acima é de "Vestido de Hipocrisia", música da rapper Katú Mirim, 32, e que faz parte de um levante nacional contra o racismo. Indígena urbana (que nasceu na cidade), lésbica e mãe, Katú é uma militante underground que nos palcos e nas redes sociais aponta a ferida deixada pela colonização. "Minha militância na internet começou através do Visibilidade Indígena, etnomídia que fundei em 2017 e que é um portal que dá visibilidade para a cultura e a luta dos povos originários. Lá, viralizamos mensagens como 'índio não é fantasia'. Desde o Carnaval do ano passado meu discurso sobre esse tema teve um alto poder midiático, o debate cresceu e a questão da fantasia virou discussão", explica Katú. A página "Visibilidade Indígena" tem mais de 30 mil membros no Facebook e mais de 26 mil no Instagram.
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Retomada de identidade
"Fui adotada com 11 meses de vida, meu pai era indígena e minha mãe negra. Fui criada na periferia. Entendi que eu era indígena com 13, 14 anos, mas só vim entender que ser indígena era bem mais que ter sangue indígena já na fase adulta. Tenho ascendência Bororo (do Mato Grosso) e estou na retomada da minha identidade. Ser indígena na periferia é onde o genocídio me trouxe, mas aqui eu resisto e existo sendo o que sou: mulher, indígena e LGBT."
Não é 'índio', é indígena
"A palavra 'índio' vem carregada de estereótipos como uma coisa tribal, selvagem, desatualizada, que está lá em 1500 ainda. Tem a parte romantizada também, de que o índio é todo bonzinho, legal, que fica na rede o dia inteiro… E são mais de 300 povos, 300 línguas e culturas diferentes, e isso só aqui no Brasil! A sociedade desconhece o indígena, ainda mais o indígena urbano. O 'índio pelado que mora na mata' é o estereótipo que há anos vem sendo fomentado. Descoloniza esse pensamento. Ninguém fala sobre nossa pluralidade, sobre nossos contextos, que são: indígena aldeado (que mora na aldeia), indígena em contexto urbano (que nasce na aldeia e vai morar na cidade) e o indígena urbano (que nasce na cidade). Estamos no século XXI, na era da informação, da comunicação, então hoje em dia está bem mais fácil entender nossas questões."
Quebrando o tabu
Katú, que se descobriu bissexual aos 10 anos de idade, revela que sua orientação é mais respeitada pelos indígenas que pelos não-indígenas. "As pessoas já estranham ter uma indígena no meio periférico, ainda mais se ela é LGBT. Indígenas homossexuais existem e sempre existiram. Minha orientação sexual deve ser respeitada e eu luto por esse respeito. Quando estou na aldeia, as pessoas respeitam minha orientação sexual. É o não-indígena que mais me julga e me desrespeita. No trabalho, no rap, ainda é uma luta. Deslegitimam minha identidade, porque dizem 'uma índia sapatão que faz rap', mas eu não baixo a cabeça para o preconceito, para o racismo. Racismo se enfrenta de cabeça erguida", pontua ela, que é mãe da Íris Anahí, de 8 anos, cujo nome significa "mensageira dos deuses".
Sobre a autora
Ana Angélica Martins Marques, a Morango, é mineira de Uberlândia, jornalista, fotógrafa e DJ. É também autora do livro de contos Quebrando o Aquário. Passou pela décima edição do Big Brother Brasil e só foi eliminada porque transformou o temido quarto branco no maior cabaré que você respeita. É vegetariana e cuida de três filhos felinos: Lua, Dylan e Mike.
Sobre o blog
Um espaço para falar de amor, sexo, comportamento feminino e feminismo com leveza e humor. Tudo sob o olhar de uma mulher esperta, que gosta de mulheres tão espertas quanto ela!